segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Desfigurando roteiros



 Orno riachos poéticos e faço deles meu destino, atalho... Destinatário.




Ir além da linguagem. (Bhodidarma)


        Dentre as viagens que realizo, certa vez me deparei com a forma graciosa de mergulhar nos cultivos do meu espírito. Foi entre ondas fervorosas e buracos negros. Descobri que é lá onde está a celestial força que me faz desbravar infinitos do meu ser. A minha mutável mania de pertencimento. Atravesso planetas de andorinhas que me fazem dançar a calmaria do silêncio e fazem dele meu par. Percorro estrelas tão envolventes quanto os serenos cantos de espanta-boiadas do vasto campo onde espero a jangada. É dessa parte que abraço mais.
        Passo entre arvoredos verdejantes que me esperam no porto do descobrimento. Mas na verdade não há um porto. São vastos; cada um na expectativa de ser cúmplice e testemunha do laço que se faz entre os cordões que cada ser humano carrega até amarrá-los num pedaço de tronco pertencente ao porto. E sabes a entidade do porto? A convivência. Ela precisa ser exagerada, não em tempo, épocas. Mas sim, momentos; a convivência precisa de intensidade pra que possamos saber se as cordas serão enlaçadas com força ou frouxas, suscetíveis a correnteza, ventania, que carregue a jangada experimental do nosso efêmero desfrute. Quando então avistei os raros riachos poéticos, soube no mesmo instante o que diria para eles em gratidão pela inspiração trocada:

- Encantamento e regalo. São as flores que eu trouxe pra cobrir tuas margens. Eu acolho teus rios, banho-me das doçuras que as águas me trazem, sou tão escorregadia que me faço água também. Deixas que eu beba de tuas águas, e te retorne na linguagem que só tu entendes, caro 'poetiglota' das nações sensíveis existentes em cada ser. Mas advirto, só por um tempo, especificamente quando leio teu curso, as marcas que deixas na trilha de seres vivos que conhecem teu destino. E qual teu destino? Onde está teu roteiro? E tu segues. No teu soberano passo em que jorras poesia cheirando os mariscos valencianos, as embarcações que ancoram na tua imprevisível água. Quando vê que são pra te agraciar enfeites do mar, trazendo notícias do bálsamo que te espera - o Senhor da luminosidade, Oceano em misticismo e símbolo em oceano - aí então tu te acalmas. Teu caminho é longo e cheio de encontros. Os mais serenos e delicados, porque tu escolhes ser água, ser instrumento de purificação. Ser natural e acolher a natureza. Carrega contigo riquezas intocáveis. Tuas. E faz mais que rio, doa um pouco de tua fonte para que eu possa amenizar minha insaciável sede pelo dom de sentir a vida. Desprende-te e me faz seguir teu curso. Sou levada pela pureza que envolve tuas águas escritas em lindas manifestações de amor e transcendência. Elevas meu ser, sabias? Faz que saiamos das conchas da vida. Estou eu aqui, fora de mim e mais dentro da minha alma. Me embriago do teu líquido. Entre risos e fascínio. Minha boemia colorida se estende pela aurora energizada de luminosas sereias. O teu instigante corpóreo volátil me encontra pelo delírio de ser no espaço do nada. O enredo só se inicia. Espero fervorosa pelo desenrolar da etérea onda que me entrelaça. Vamos adentrar no sentir a vida. Desvendar a capital do instante, poesia.

2 comentários:

  1. - é como se eu tivesse lido uma preleção de sabedoria dos mestres orientais.
    palavras puras e honestas, que ramificadas na alma, propagam como a luz, sem limites.

    parabéns, ailla.

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  2. Gratidão, Luís! Que bom poder passar toda essa energia! E como não se enternecer inebriado com o poder que a poesia emana! Me recolho em Manuel de Barros, quando poetiza:

    No descomeço era o verbo.
    Só depois é que veio o delírio do verbo.
    O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
    criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
    A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
    para cor, mas para som.
    Então se a criança muda a função de um verbo, ele
    delira.
    E pois.
    Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer
    nascimentos —
    O verbo tem que pegar delírio.

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