segunda-feira, 14 de março de 2016

Sobre o menino das incertezas

Tino é um menino muito esperto. 

Nos dias de muito sol ele adora sair pelos vales de amendoeiras e cheirar jasmim. 
Mas Tino sempre sai e não avisa quando volta. 
Se dana pelas estradas que se formam entre as testas dos desavisados. 
Franzidos pela busca de Tino. 
Não é só pelas manhãs que Tino se pica nos arredores da vizinhança, bagunça os cabelos e as saias das donas Margaridas, em suas amargas vidas. 
Antes de virar cisco, às vezes ele pede chá de sumiço, bebe igual a Zé da venda da ladeira de Virgulina, que vira o copo de cachaça dizendo que quer voar como andorinha. 
Ahh, Tino, imitão! 
Ninguém mais liga se Tino sumir... porque o povoado já inventou mais Tino pra guardar na caixola. 
Eu, particularmente, gosto do leve instante de euforia e caos que paira pelo vale quando descobrem que o Tino sumiu. 
Vão dizer que ainda não achei o Tino. 
Mas vou dizer uma coisa...

Às vezes perder o tino é a melhor coisa da vida.




(Desenho de Manoel de Barros)

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Quantas Marias mais?



Vale do Jequitinhonha 
Vale do Jiquiriçá
Nau da moça que sonha
Mar do mais tardar

Vivência de luta
acordo de eternidade
Canções de roda
no chão da cidade

Duas crias, frias
Vã mulher, vã pelo mundo
distante do seu perfeito
de sorriso raso, não profundo

Sorriso de dia a dia
Choro de noite a noite
A sobreposição da sinestesia
do grão feito de açoite

Quantas Marias mais
Dentro dos vales?
Quantas marias faz
o oposto do tal baile?

À beira do mar, do rio
À beira do cais, do frio
Do cheio, do meio e do vazio
Das beiras da emoção vivida.

Do cheiro sentido
do sexto sentido
no universo perdido
de entradas, trancas e saídas.

Maria vive de esperança
Vive pra cima, pra frente
Carece de vida, mudança
No seu real sol poente

A obtusidade do seu mundo
Transforma seu coração
Braços fortes, fé amolada
Nos becos, na luz, na mão

Quantas Marias mais
Vagam por becos, cabanas?
Quantas Marias em paz
Nos fins de suas semanas?

É MARIA assim
ou maria assado?
Das noites quentes
Dos dias gelados.

Quantas Marias mais
Serão poesia de choro?
Quantas Marias mais
Serão músicas de novo?

Quantas Marias mais
gerarão Miltons e Josés?
Quantas Marias mais
Do mundo, aos pés?

E quando Maria jaz?
O filho Brasil junto vai
Pra vida no vale do dia
Pra onde o chão não fica, cai.

Poesia inspirada na música Maria, Maria, de Milton Nascimento.




segunda-feira, 1 de junho de 2015

Gonzaguinha e a genialidade versátil

Da gama regular de artistas que durante a vida aprendi a apreciar, nenhum se iguala a Gonzaguinha. Fui iniciado no som multidisciplinar do cantor e compositor durante o segundo ano de ensino médio, em 2012, quando meu melhor amigo me apresentou algumas músicas que, de acordo com ele, eram geniais, espetaculares, "cabriocáricas" (palavra utilizada por este amigo, sem o conceito quixeramobinense, para elogiar as coisas). 

O cigarro na mão era marca registrada
Fixei numas músicas que pegaram logo na mente, como é o caso de "Alô, alô Brasil" e "Recado" e, naquele momento, soube que já conhecia músicas do cara sem saber que era dele, casos de "Lindo lago do amor" e "O que é, o que é". Tempos passaram, o repertório aumentou e Gonzaguinha virou, para mim, o maior compositor que este país já teve. Ao dizer isso algumas vezes, ouvi de muita gente que era louco. Artistas como Chico Buarque me impressionam muito pela genialidade e isso me faz entender a defesa do posto deste, mas Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior é a figura do gênio versátil, e a partir de agora vou dizer, sem mais floreios, o porquê deste posto. Assim o farei trazendo observações acompanhadas de algumas músicas que representam essa versatilidade aqui observada para vocês, leitores.

1) Início da carreira e "Viva la Revolución!":

Num Brasil fervoroso, Gonzaguinha ganhava suas primeiras espinhas no rosto. De pai com essência militar, viu no comunismo sua guarida e, assim, trabalhou em músicas de resistência. Foi grande crítico da ditadura com músicas como "Comportamento Geral", "Sorriso nos lábios" e a genialíssima "A fábrica de sonhos", que aqui destaco, pela grande efetividade das comparações e metáforas feitas pelo compositor na letra, dentro do seu caráter crítico, ácido e mobilizador.

Pra Gonzaguinha, milagre (Econômico) rima com Vinagre (ácido),
e Mateus, que muitos matou, é ditadura

2) A quietude e o amor. Gonzaguinha é Eros!

Gonzaguinha falou de amor, mas falou muito de amor, até por muito ter amado e também por ter lhe faltado muito amor. Contraditório, mas é justamente o que dá o caráter especial das canções do mestre em questão. Nestes casos, destaco "Espere por mim, morena", "Grito de alerta", a lindíssima "Diga lá, coração" e "Mamão com mel", que aqui fixo, pela sua essência puramente amorosa,  para muitos, piegas. Que seja piegas! rs.


3) O suor, o toque, o arrepio. Gonzaguinha é Vênus!

Gonzaguinha foi amor e também foi sexo. A sensualidade de algumas de suas obras impressiona pela realidade vinda de uma canção. Transcende a mera expressão sexual e parte para a realidade diária do ser humano convencional. Sem mais comentários, chamo atenção para "Ponto de interrogação", "Começaria tudo outra vez" e "Avassaladora", que aqui deixo marcada, pela elegância do compositor em não vulgarizar e, com maestria, retratar a sensualidade numa canção.


4) O samba do moleque.

Como carioca de essência, o moleque - como sempre se designava - foi também sambista. Trabalhou neles a sua experiência de vida, as pessoas que observava e cotidianamente vivia. O trabalho genial com o cavaquinho e a percussão de Gonzaguinha pode ser observado em O Homem Falou, Com a Perna no Mundo e "Vamos à luta", que aqui destaco pela imensa brasilidade aplicada à letra. 



5) O inspirador

Trabalhando com versatilidade, certamente Gonzaguinha iria inspirar muito, e assim o fez. Inspirou diferentes gerações, de diferentes gêneros, que carregam uma coisa em comum: A admiração pela genialidade desse grandioso moleque. Casos como "Por um Segundo" e "De volta ao começo" genialmente interpretadas por Nana Caymmi. Porém, trago aqui a interpretação da Banda Scambo de Ocê e Eu. 



Por fim, trago para vocês as três músicas que ficam no topo da minha playlist quando se fala em Gonzaguinha. 

1) Sonhos Brasis

Infelizmente, essa música não é encontrada na plataforma Youtube. Sendo assim, adicionei à minha conta do SoundCloud e ela está aqui!




2) Artistas da Vida

>mesmo caso de sonhos brasis, para verem o quanto a obra de certos gênios estão sendo esquecidas pelo "mundo", que sempre acaba limitando-se ao que há na internet.
Porém, nesse caso eu não consegui postar no meu soundcloud, pelas questões de direitos autorais. Fica pra próxima!

3) Simplesmente Feliz
Essa é espetacular! Minha favorita da vida! Muito boa, de letra sensacional, de muita reflexão e não tão fácil interpretação. TOP!



E com essa música fantástica eu encerro essa lista do mestre Gonzaguinha. Espero ter ajudado um pouco no conhecimento musical de todos e que principalmente Gonzaguinha tenha tocado a todos como me tocou profundamente.

Aquele abraço!
Até a próxima!

domingo, 10 de maio de 2015

O mar vem



Quando o mar não vem
Tristeza é o cais
Imerso n'areia pura
Distante, sedento

Quando o mar não vem
boa tarde, corais
casa nobre, escura
do porquê, de vento.

E se o mar não vem.
Não me vem a paz
Só chão de secura
ser de frio e relento

Mas o mar não vem
pois precisa mais
tanta firmeza e bravura
carece de mais alento

E se o amar vem
a tristeza jaz
vira lembrança, gravura
do lado avesso de dentro

E, assim, o mar vem
E emociona, é tenaz
de corpo verde e alma pura
me faz poeira, momento.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Indo(mar)vel


Indo ao encontro do mar.
Ser do mar.
Não domar nada...

 Inspirando poesia pela brisa, acendo vivacidade nas minhas palavras.

Sou muito mar...
Do mar, eu amo tudo.
 Mas nada quero domar.

Ser selvagem encanta muito mais.

Acho inebriante a maneira que as águas silvestres enfeitiçam sereias.
Até mesmo elas, tão cheias de si, tão metidas a domadoras, caem na corrente do mar conquistador.

Que mania de dominação!
Essa soberania ilusória de um povo ínfimo.
Diante da vastidão do universo, acreditam mesmo nessa patética ideia de posse. 

Represar não leva ninguém a lugar nenhum.
Não leva as águas a lugar algum...

Diga-me, o que é água sem movimento?
Enrijecida, não faz sentido e nem é sentida na sua dinamicidade e fluidez.
Vida empedrada, cristalizada, engessada... Não vive.

O mar me ensina muito.
Eu me [re]aprendo o tempo todo:

Acho que entendo...
Recuo em crise...
Volto a achar que entendo
Recuo em crise...
Acho que entendo mais...
Recuo em crise...
Vai e vem... mas sempre mais, sempre mar.

Ondas de uma metamórfica aprendiz
Enfim e sem final,
Nunca domar. 








quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Ouça.


Ouça, ouça....ouça.
Ouça os sons...
Pare, não se mexa.
Simplesmente, ouça.

O barulho do ventilador
O canto dos pássaros
No desenrolar de laços,
Um grito de dor.

A cadeira arrastando
As teclas digitadas
As infinitas zoadas
Do universo cotidiano

O ranger dos dentes
O chiar da chuva
O sofrer das agruras
Da vidas, da gente.

As gota d'água caindo
O bater das louças
O Universo chorando
E clamando: Ouça!

Ouça a construção
Ouça a divindade
Ouça a dimensão
Da plena espiritualidade

Ouça o concreto
O chão, o teto a rua
Ouça a minha e a sua
Consciência de correto.

Ouça, para depois falar
Ouça, para melhor falar
Ouça para quando falar
Saber falar o ouvir.

Escute o som que transcende
Escute a luz que se acende
Ouça o som que vem dos montes
E que na alma se prende.

Absorva o conhecer
Ouça o entrar e o sair
Ouça sem querer
Mas nunca deixe de ouvir

NUNCA (!) deixe de ouvir
Nunca esqueça os sons da alma
Do espírito que entoa palmas
Do pensar e do existir.

O tectonismo do coração
Entoa a partir de pulsos
Faz dos males, todos expulsos
Ao que é ruim, apura a subversão.

Então, ouça seu pulsar, pulse!
Sinta a expressão do mar
Criando correntes de bom ar
Dentro do transcender das nossas luzes.

E dê valor aos sons.
Eles também hão de te escutar
E, de tão belos e bons,
Um dia irão acabar.


domingo, 12 de janeiro de 2014

Minha Lua, meu cariri, meu pau-de-arara




Desmancham minha liberdade de viver no Mundo da Lua, como se eu fosse louca ao ponto de parar de habitar essa Estrela tão sã. 
Vai, diz-me o rumo certo que a minha subjetividade possa seguir, se ela mesma não possui pista, régua, nem chão pra se limitar. 
“O que eu sou?”, disse meu irmão caçula, quase que inconscientemente. Expondo livre e surpreendente nu, seu pensamento puro, quando minha mãe intimou a fazer o que foi mandado. 
Diz. O que sou? Até mesmo quando me coloco universal e pleno na busca do autoconhecimento, ainda assim, não posso ser. 
E então, o ser humano, responde, quase que num flash, e indaga tão sereno que nem mesmo a barreira da coerência lógica no manual de como responder a um chamado, foi capaz de fazer muro.
E agora, com a mesma audácia destemida, vem e me revira a abandonar a minha Estrela, que talvez seja o único lugar natural e límpido da iMundice do Mundo. 
Sou nomeada, codificada Ailla, (até nisso, rotulada por imposição do que já existia antes mesmo de nascer). E por mais quimérico que possa parecer. Um dos significados do nome: Aura da Lua.
Só que não posso passar por essa afronta sem tentar ao menos, desfigurar o significado, que sempre ronda e cutuca a menina de aura lunar. Fui desafiada. E se me chamam a fechar a porta da minha Estrela, se impõem esse enquadramento, então meu retorno custará na  persistente indagação.
Se eu não posso caminhar em direção ao Mundo da Lua, desvenda então, o trilhar do Mundo da Terra!

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Entre pés da alma, calos de poesia




Pés dizem tanto...
Esse membro 
Monótono possui marcas temporais da existência.
 Como o calo de uma noite festeira.
Do necessário uso diário da roupa de que se veste.
Seja ela o próprio corpo envolvido pelo mistério e nudez.

Calçados são tapeações 
Pra admitir que o que realmente se calça não são os pés,
Mas a caminhada traçada
Por obstáculos a serem enfrentados
No mais pífio dos dias.
Olhá-los me faz discernir que me revelam.
Descrevem-me.
Desmascaram-me da cabeça aos mesmos.
Reflete o mais claro de minha alma.

Pensar em meus pés como guias 
É considerar a simplicidade que envolve minhas trilhas.
Gosto da ideia de que são reflexos do meu ego, que me conduzem.
Mas gosto ainda mais da notoriedade que os cerca.
 De vê-los sem faces, peles, sem máscaras.
Repletos de calos, cicatrizes e feridas.
Como meu ser.

Mas sempre de olho no que vem,
Na tenacidade de que preciso para transcorrer os entraves e pedras.
E sempre em frente.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Sobre o Estradar



Eis as estradas.
Trilhas do mundo.
Ruas, avenidas, praças.
A graça e a desgraça
Sobre um mesmo plano de fundo.

Enraizadas no mesmo chão,
Aos dentes, disputam viajantes,
Que, dali em diante,
Irão a águas vibrantes
Do mar do sim e do não.

Infestam-se de atalhos.
Dão poder ao optar não permanente.
Autorizam o "pular de galho em galho"
Ao subsequente ou a outra vertente.

Pautam-se, no geral,
Entre Claro e Escuro,
Entre Bem e Mal
Sem haver indício de muros.

Circundam todo e qualquer ser.
Do menos ao mais religioso,
Do iluminado àquele do calabouço.
Toca sem piedade no que finge nada ver.

Os caminhos aí estão.
Largos e estreitos
Simples e complexos
Sempre imperfeitos
Pondo-nos sob o reflexo
Da vida sobre um mesmo chão

Constituem um labirinto
Onde quando falta Luz
O mal guia,  conduz
Para longe do Amor infinito.

 A Boa Nova está no porvir.
Emerge em boas decisões
Está num horizonte a reluzir
Antes? Um mundo de provações.

O caminho é árduo
Muita coisa até lá.
Exige admissão de fardo
Exige a insistência no bom estradar.

sábado, 14 de setembro de 2013

Lótus-metáfora


Simbolismo. Signos aderidos pela precisão incessante do sujeito em se fazer completo. Acomodados com as múltiplas ditaduras sociais, o ser humano é vítima, evidentemente das condições “tsunâmicas” que se estabeleceram em torno dos acontecimentos históricos, e principalmente algoz. Mas não qualquer algoz. Um autoalgoz, pelas mesmas afirmações anteriores.
Opressor e retido nas próprias prisões. O ser humano tece as grades, pinta os horizontes do conhecimento com as mais árduas tintas da inércia. E ali fica. Cria raízes no retrocesso.
Cada vez mais, precisa-se depositar ânimo na sociedade.  O mais que faça, é infrutífero. Motivando, consegue-se, talvez, uma das mais difíceis tarefas morais: a almejada reforma política. Que por sinal, eu diria ainda: formatação social. Incentivar é encorajante. E ter coragem é o passo para a transcendência de que precisamos. Desfigurar camadas do pensamento, e iniciar o método da dialética como fator da vida, é o que me faz remeter às flores de lótus.   
Símbolos são álibis da pesquisa. Assim como o lótus, ascendente nas lamas profundas, seu caule cresce por meio da água turva e floresce com exuberância própria. Tal como o ser humano, volúvel e metamórfico, deve reconhecer a natureza da transmutação natural. Há quem bloqueie esse crescimento holístico, e como consequência, impedindo que se elevem e visualizem com sensibilidade a iluminação pessoal e coletiva. Mas se conseguem estabelecer um vínculo místico e evolutivo do pensamento, aí então, é possível ampliar uma correlação de linhas de todos os fenômenos implicados por nós: sementes do hoje,  prontos para germinar e trazer frutos éticos, escassos em meio ao lamaçal corruptivo e desonesto das mais densas florestas de tiranos. 






"O grito da fala que gemeu no fundo do quintal
a fogueira que se planta guerreira
no jardim da opressão
a mata que um dia mata o concreto
estrelas que estilingam interrogações ao longe
contra o império da razão...
 
Sou um gigante bocejo dum grão rebelde de terra!"
 

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